O Doppler Transcraniano na Doença

O Doppler Transcraniano na Doença

Por Médico de Doppler Transcraniano   •   10 de dezembro de 2025


Em meio aos desafios impostos pelas doenças genéticas, a doença falciforme surge como um dos quadros mais complexos e que demandam vigilância constante. O problema é grave: a obstrução dos vasos sanguíneos e consequente restrição no fluxo de sangue, crises de dor e alteração em vários órgãos do corpo, também conhecida como crise vaso-oclusiva, é complicação comum na doença falciforme, doença genética caracterizada pela presença de um tipo alterado de hemoglobina no sangue. Essa obstrução, quando atinge o cérebro, pode ser catastrófica.

No entanto, a ciência e a tecnologia uniram forças para oferecer uma solução de monitoramento revolucionária. O Doppler Transcraniano (DTC) emerge não apenas como um exame, mas como um escudo protetor para a saúde cerebral das crianças, capaz de detectar o risco de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) com uma precisão que muda o curso de vidas e permite a intervenção médica antes que o dano se instale. Se existe uma tecnologia capaz de prever e prevenir o derrame em crianças com uma eficácia superior a 90%, você precisa conhecê-la.

O Doppler Transcraniano na Doença

Quando os vasos do cérebro são atingidos pela natureza rígida e em formato de foice das hemácias alteradas, um dos agravos mais temidos é o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, que pode levar a sequelas neurológicas graves e até a morte.

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O doppler transcraniano, exame de ultrassom que mede a velocidade do sangue nas principais artérias do órgão, é capaz de detectar o risco de ocorrência do AVC, também conhecido como derrame ou isquemia cerebral.

“É um exame simples e indolor, feito em ambulatório, que mostra, em tempo real, se existe alguma alteração no fluxo sanguíneo cerebral”, explica a hematologista Célia Maria Silva, do Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias (Cehmob-MG), parceria entre o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad) e a Fundação Hemominas.

A relevância do DTC na doença falciforme é estratificada por idade: “Na doença falciforme, o AVC isquêmico ocorre com maior frequência nas duas primeiras décadas de vida, período em que o exame do doppler transcraniano deve ser feito anualmente, para detecção de risco desse evento”, observa Célia. O risco é maior na infância e adolescência devido à tendência das células falcizadas em bloquear os vasos de pequeno e médio calibre, como os cerebrais.

Doppler e a Prevenção

A chave do sucesso do DTC na doença falciforme é a sua capacidade de estratificar o risco e, consequentemente, guiar a terapia preventiva.

Segundo a médica, caso a velocidade do sangue esteja muito alta, o que ocorre em cerca de 8% das crianças com doença falciforme, devido ao estreitamento ou mesmo obstrução das artérias do cérebro, o diagnóstico é de alto risco para o AVC. A alta velocidade ocorre porque o sangue, ao tentar passar por um vaso mais estreito, acelera, assim como a água ao passar por um bico de mangueira.

“Se essa velocidade se mantiver elevada, a recomendação é que o paciente seja colocado em regime de transfusão sanguínea regular”.

As transfusões reduzem o nível da hemoglobina alterada no sangue e aumentam a concentração da hemoglobina normal (hemoglobina A). Essa diluição da hemoglobina S (alterada) diminui drasticamente a formação de “foices” e, consequentemente, o risco de oclusão.

“Estudos realizados nos EUA e na França apontam que essa medida reduz em até 92% o risco da criança sofrer um AVC”, explica a hematologista. Este índice de eficácia é um dos mais impressionantes de toda a medicina preventiva pediátrica.

Estratificação do Risco e Conduta

O DTC divide os pacientes em três categorias, e a conduta clínica é rigidamente guiada por elas:

  1. Risco Baixo: Os exames do Doppler Transcraniano mostram que cerca de 80% das crianças com doença falciforme apresentam risco baixo de desenvolver o AVC, devendo ser acompanhadas regularmente, geralmente com o exame anual.

  2. Risco Médio (“Estacionado”): Para aquelas que “estacionam” no risco considerado médio, aproximadamente 22%, além dos exames regulares do doppler, pode-se optar pelo uso de medicamentos, como a hidroxiureia, que estimula a produção de um tipo de hemoglobina fetal que é mais protetora.

  3. Risco Alto: Pacientes com velocidades cronicamente elevadas, para quem a transfusão regular é o tratamento salvador, reduzindo o risco de êmbolos e isquemias.

A Importância da Cooperação e do Rastreio Precoce

“Sabemos que menores de dois anos também correm o risco do AVC em decorrência da doença falciforme, mas como o exame precisa ser feito com o paciente acordado e cooperativo, crianças muito pequenas podem ficar agitadas e dificultar o procedimento”, aponta Célia.

Porém, segundo Célia, crianças nessa faixa etária que apresentam maior risco (como crises de dor e síndrome torácica aguda mais frequentes, além da história de AVC em irmão) também devem passar pelo exame antes dos dois anos. Nesses casos, a importância da prevenção supera o desafio técnico, e o exame pode ser realizado com auxílio de sedação leve, se necessário, garantindo que o cérebro do pequeno paciente não fique desprotegido.

Mecanismos Fisiopatológicos: Por Que o Sangue Acelera Tanto?

Para entender a profundidade da informação fornecida pelo DTC, é preciso compreender o que acontece nas artérias cerebrais. Na doença falciforme, a presença da hemoglobina alterada faz com que as hemácias, ou glóbulos vermelhos, deixem de ser flexíveis e arredondadas e se tornem mais rígidas, adquirindo o formato de foice (daí o nome falciforme), o que faz com sejam destruídas mais precocemente. Nessa situação, elas tendem a se ligar aos vasos sanguíneos e também a outras células sanguíneas, levando a fenômenos inflamatórios e vaso-oclusivos.

Com o tempo, a passagem contínua dessas células rígidas e o processo inflamatório levam ao dano crônico da parede interna dos vasos cerebrais. Isso provoca o estreitamento progressivo (estenose) da artéria. Quando uma artéria está estreita, o volume de sangue que passa por segundo é mantido, mas a velocidade com que ele passa tem que aumentar drasticamente. É esse aumento de velocidade, medido pelo DTC, que age como o primeiro e mais confiável sinal de alerta de que a artéria está se fechando e o AVC é iminente.

Doppler e o Transplante

Nessas situações, uma das estratégias possíveis é o transplante de medula óssea, única capaz de reverter o quadro da doença falciforme. Idealmente, o transplante deve ser realizado em casos selecionados, após avaliação criteriosa da equipe médica. Um dos requisitos é que o paciente possua irmão compatível.

“Acompanhei dois casos. Em um deles, uma paciente de oito anos, do Programa Estadual de Triagem Neonatal, possuía risco elevado de sofrer o AVC”, conta Célia.

“Apesar das transfusões, o risco apontado pelo doppler permanecia alto. Optamos pelo transplante e hoje, dois anos após a cirurgia, a criança está ótima, com nível normal de hemoglobina e sem qualquer sintoma clínico”, declara.

Segundo ela, outro paciente, de 16 anos, após sofrer o primeiro AVC e não mostrar melhora com as transfusões, também foi transplantado e hoje está muito bem.

Atualmente, o transplante de medula óssea para a pessoa com doença falciforme já é liberado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A portaria recente, que libera o procedimento para os casos indicados pela Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea, encontra-se em fase de regulamentação.

Saiba mais – Doppler Transcraniano

Na doença falciforme, a presença da hemoglobina alterada faz com que as hemácias, ou glóbulos vermelhos, deixem de ser flexíveis e arredondadas e se tornem mais rígidas, adquirindo o formato de foice (daí o nome falciforme), o que faz com sejam destruídas mais precocemente. Nessa situação, elas tendem a se ligar aos vasos sanguíneos e também a outras células sanguíneas, levando a fenômenos inflamatórios e vaso-oclusivos.

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